2017-06-23

"O Pianista de Hotel" de Rodrigo Guedes de Carvalho



No seu novo romance, O Pianista de Hotel, Rodrigo Guedes de Carvalho cria dois personagens homossexuais memoráveis, Ana Paula e Saúl Samuel.

Em entrevista a Nuno Ramos de Almeida (jornal Sol), o autor refere: “Neste livro há, a páginas tantas, uma certa ‘granada’ em relação à homossexualidade da personagem. Sou um apaixonado por pessoas, estou convicto de que elas são todas diferentes. Fui no outro dia ver a exposição sobre o Almada Negreiros, ele tem um texto belíssimo sobre a singularidade absoluta dos rostos: não há dois rostos iguais. Eu defendo isso em relação às pessoas. Crio as pessoas do nada e tento que elas sejam verosímeis aos olhos de quem lê, não porque elas existam de verdade, mas porque têm coerência na ação. Mas elas têm sempre esquinas imprevistas para dar um aspeto muito singular e fugirem aos rótulos. No caso do homossexual, houve uma pessoa que me fez uma pergunta: «Porquê abordar o tema da homossexualidade?» Mas eu não fiz como tema. É uma das características daquela personagem, como poderia ser sócio do Benfica e macrobiótico.

Dois excertos, sobre Ana Paula e Saúl Samuel:

Uma adolescente estava a falar com ela mas Ana Paula deixou de a ouvir. Tinha as mamas grandes, seria dela ou pela sua condição de grávida recente, ainda barriga nenhuma mas as mamas grandes, e olhos, cabelo e boca, pescoço, e a falar mexia-se e as mamas saltitavam e o rabo com elas, e Ana Paula desejou-a tanto que teve de sair para vomitar, e a correr olhou para o diabo, mas o diabo fez sorrisinho de diabo, a fingir que não era nada com ele.

Nasceu e foi criado numa aldeia mais para o interior, onde cresceu, estoico, a levar tareias inúmeras, e algumas delas desmesuradas. Tantas e tais, que já não ligava, e até se enraizou nele a ideia de as merecer talvez, visto que não havia ali ninguém como ele, sendo portanto normal que os outros miúdos procurassem moldá-lo aos costumes.
Sendo Saúl Samuel quem arcava com as sovas metódicas, ao ponto de ainda hoje ter três vergões nas costas que não passam, era o pai de Saúl Samuel quem mais se importava, enfurecia-o que às vezes no café ouvisse os risos: 
– O teu rapaz gosta de salpicão, ó Bartolomeu, o que havia de te calhar. 
Porque Saúl Samuel habituara-se, e nunca procurou outro caminho para a escola, onde sabia que teria de se desviar das pedras pelo ar:
– Foge, paneleiro.

Na Web: Goodreads, Wook

Sem comentários:

Enviar um comentário